É preciso cultivar os jardins

Por ELISSA MATTOS

Engraçado como nos tornamos imersos numa bruma diferente na virada do ano. Parecemos estar num período em que percebemos que a euforia dos presentes, das doações instantâneas e dos votos repetidos sem reflexão, não afastou todo o mal. Não supriu nossos infindáveis quereres.
 
Adentramos então no estreito corredor dos balancetes, dos cálculos de perdas e ganhos. Mas como é difícil enxergar com clareza nossos erros e acertos. Quão doloroso é encarar a imprudência dos nossos atos diante de tudo que não integra o nosso ego. Quão ameaçador é lidar com a idéia de que não somos nem mesmo uma metade de laranja, como gostamos de afirmar, talvez apenas uma pequena parte do gomo.
“Cuidado com os seus desejos, eles podem se realizar”, diz o ditado. Seja lá qual for nossa vantagem social ou pessoal nas regras do dia-a-dia, é certo que não há avaliação ou elaboração de metas que possa trazer um ano melhor, a menos que escapemos da visão egocêntrica dos desejos e abarquemos um pouco mais a nossa volta. É preciso que construamos caminhos lúcida e generosamente entrelaçados. É por isso que em 2009 darei menos ouvidos aos desejos. Para este ano, muito mais me proponho.
Cuidarei também dos jardins ao meu redor. Cuidar apenas dos meus desejos tem multiplicado pragas.
Se o jardim do próximo estiver bem cuidado, ervas daninhas não se alastrarão também no meu, nem existirão sem-jardim para colher minhas rosas. E se ainda assim colherem, plantarei outras.
Todos os anos me faço propostas umbigocêntricas, que pretendem melhorar o meu mundinho de acordo com minha limitada visão. Enumero tantos desejos que eles mal cabem na porta da minha geladeira. E o resultado é que estou cada dia mais prisioneira deles. Da insegurança, da violência, do individualismo, da ignorância, do preconceito, da alienação, enfim da reação da natureza humana e de toda a natureza a tamanha opressão causada por tantos desejos egoístas.
Não quero mais que seja assim e não vou mais desejar que parta do outro a mudança. Buscarei eu mesma superar minha ignorância, amenizar a violência das minhas palavras, das minhas expressões, dos meus pensamentos e das minhas ações.
Confrontarei minha gana consumista, minha fome incoerente, com as necessidades do meu organismo, minha preguiça e minha passividade. Este ano não darei atenção a desejos que cegam ou deixam enxergar somente o querer individual. Seguirei sonhos que partem do que tem valor maior que o instante. Caminharei em direção a eles. Antes que 2010 se aproxime e me atropele novamente, como num eterno déjà vu.
 
Elissa C. Mattos é professora, graduada em História.
Artigo publicado em O Popular, 01/01/09